Os cinéfilos e amantes de história empolgaram-se com o lançamento do trailer da nova cinebiografia de Napoleão Bonaparte estrelada pelo oscarizado Joaquin Phoenix. Napoleão é uma figura central da era moderna. Ele se eternizou no imaginário popular por razão de suas conquistas revolucionárias embaladas pelo destemor assombroso e pela liderança mítica. Seus feitos militares derrubaram dinastias e ergueram sonhos. Joaquin Phoenix é tido como um dos maiores atores vivos, habituado a papéis desafiadores e se encontra no melhor momento da carreira.
O entusiasmo é compreensível, embora talvez seja necessário aguardar mais que o previsto para conferir o resultado dessa fusão estelar em tela. A greve dos atores e roteiristas de Hollywood continua de pé e sem previsão de término. Talvez o aguardado longa previsto para novembro de 2023 precise ser adiado.
No entanto, apesar do miúdo aperitivo e da incerteza que ronda o lançamento do filme, o apresentado até o momento bastou para Bonaparte ressurgir no noticiário. Napoleão voltou ostentando o icônico chapéu, montado no cavalo branco e munido de seus feitos e conquistas.
Creio ser oportuno esse momento, na linguagem dos jovens, de hype de Napoleão, para destacar características de seu comando à frente do exército francês. Características que podem ser inspiradoras para os líderes de hoje.
As conquistas napoleônicas
Vale refrescar a memória com um curto resumo sobre as conquistas napoleônicas para assegurar a devida dimensão da figura a servir de espelho.
Com apenas 28 anos, Napoleão assumiu o comando do estagnado Exército da Itália (tropa francesa instalada na Península Itálica) e a transformou em uma força militar poderosa entre os anos 1796 e 1797.
A surpreendente campanha na Itália elevou o seu prestígio e o alçou ao comando das tropas francesas contra as forças austríacas. Napoleão impôs uma série de derrotas esmagadoras e conquistou para França o domínio e a aliança de diversas repúblicas no norte da Itália.
Avançando para o Egito, Bonaparte desbaratinou sem dificuldade o exército otomano em Alexandria. A conquista da cidade permitiu aos franceses estudarem o Egito Antigo. Data dessa época grandes descobertas arqueológicas que correram o mundo, como a Pedra de Roseta, peça chave para a leitura dos hieróglifos.
Implacável e irrefreável
Coube também a Napoleão liderar a defesa de Paris contra a revolta monarquista, sedenta para recuperar o poder usurpado pela revolução burguesa. Sob suas ordens e canhões, ceifou a vida de milhares de revoltosos e consolidou o poder da nova ordem.
Porém, a bainha de sua espada também voltou-se contra os revolucionários. Aproveitando a instabilidade política da jovem República e de seu enorme prestígio militar, investiu no apoio popular para tomar o poder na França.
Conseguiu recrutar milhares de homens entre o povo com sua retórica inflamada e suas conquistas épicas para assumir o executivo da França. Chancelado politicamente, moldou a opinião pública para apoiar ofensivas contra as hostis monarquias europeias do entorno. A guerra se tornou um instrumento de defesa da soberania nacional e símbolo de patriotismo.
Ele retorna ao norte da Itália agora como líder máximo da França e domina toda a península. Conquista que abriu caminho para controlar os territórios da atual Alemanha.
As virtudes da liderança de Napoleão
Exímio estrategista, gênio militar, revolucionário, líder de massas. O pesadelo de reis e rainhas que sepultou uma era milenar e expandiu o iluminismo. Um currículo sem dúvida notável e que só pôde ser viável graças à extraordinárias virtudes de liderança.
Habilidade para selecionar pessoas
É consenso entre os biógrafos que Napoleão Bonaparte era dotado de argúcia e sensibilidade invejável para selecionar seus comandados.
Habilidade tida como uma das explicações para o sucesso de suas empreitadas bélicas. Por mais genial estrategista que fosse, não era onipresente e precisava delegar funções no campo de batalha. Logo, escolher pessoas competentes para postos chaves era fundamental.
Napoleão separava os soldados em dois grupos. Um chamava de “inteligentes sem iniciativa”. O outro, “inteligentes com iniciativa”.
Os que se enquadravam no primeiro grupo eram designados como oficiais que recebiam ordens, mesmo se os que estivessem acima deles não fossem dotados de bagagem teórica equivalente. Para Napoleão, a inteligência incapaz de gerar efeitos concretos produtivos em larga escala era melhor aplicada em atividades de baixa complexidade. Ao menos, fornecia segurança que o essencial seria cumprido com excelência.
Os soldados do segundo grupo eram designados para os cargos de comandante ou estrategista. Por conseguirem unir teoria e capacidade de transformá-la em prática, eram vistos como especiais.
Apreço pela exatidão e humildade no trabalho
Outra característica marcante da liderança de Napoleão era sua obsessão pela exatidão. Ele fazia questão dos detalhes, de ver e se informar sobre todas as movimentações do adversário e do próprio exército.
Com base nas informações levantadas, ele fazia sua mágica. Traçava diversas possibilidades de defesa e ataque, demonstrando enorme criatividade e energia. Considerava o conhecimento dos detalhes sobre as movimentações no palco da guerra tão importante, que não se importava de perguntar, tirar dúvidas, pedir explicações. Sua preocupação era compreender plenamente os desafios por vir.
Napoleão tinha um ego grande, ele se coroou rei tirando a coroa das mãos do Papa e colocando na própria cabeça, mas sabia controlar a vaidade quando estava em serviço. Apesar de ser tratado como um semideus, não colocava em dúvida sua mortalidade. Sabia que não era autossuficiente e precisava de ajuda.
Simplicidade nas batalhas
Bonaparte compreendia a dificuldade de liderar grandes massas e como a confusão em batalha poderia ser mortal. Além da falta de confiança sobre a estratégia proposta, o revés surte efeito psicológico devastador para a moral das tropas.
Por isso, ele era adepto da simplicidade ao definir estratégias. A receita era: objetivos claros, mensagem assertiva e processos simples. Ele fracionava o máximo que podia os objetivos. Dividia a conquista do grande objetivo em subtarefas que pudessem ser explicadas em poucas palavras e exigissem movimentos simples.
Mensagens curtas e diretas reduzem o risco de ruídos de comunicação. O cumprimento de objetivos, por mais modestos que sejam, gera sensação de recompensa. Isto influencia na confiança e autoestima.
Essa percepção sobre comandar grandes massas se coaduna com uma de suas famosas frases a respeito de liderar frentes de batalha:
“Para vencer, nada mais é preciso que bom senso”.