Reestruturação Empresarial

Para se Inspirar: A Apple Esteve a 90 Dias de Quebrar

Em momentos difíceis, ler histórias de superação é importante não só para reanimar o estado de espírito, mas também para obter insights úteis para o presente.

A história de superação da Apple é tão famosa que chega a ser mítica. Tim Bajarin, que trabalhou como analista de tecnologia da companhia, chegou a dizer que “Foi uma das reviravoltas corporativas mais miraculosas da história dos negócios”.

Não é exagero. A Apple esteve a 90 dias de quebrar em 1997 e quando Steve Jobs saiu de sua segunda e gloriosa passagem pela maçã de Newton, o valor total das ações da Apple era de 346 bilhões de dólares. O valor de mercado da casa do smartphone bateu 3 trilhões em 2023.

Vale a pena revisitá-la?

Essa saga de queda e redenção já foi magistralmente detalhada na biografia de Jobs escrita por Walter Isaacson. É também inevitável que seja abordada nos diversos filmes que já foram feitos sobre o histriônico e genial fundador da Apple.

E claro que é uma história merecidamente cultuada no meio empresarial por ser um extraordinário case de sucesso e exemplo de inovação que mudou como interagimos com a tecnologia.

Diante desse fato, talvez fosse desnecessário relembrar os aspectos essenciais do resgate da Apple da boca do abismo, mas recordar é viver. Recorrer aos bons exemplos costuma ser sempre uma fonte de inspiração e revigoramento para enfrentar as pelejas pela frente.

E a presunção é um pecado condenável no ambiente corporativo. Somente os gênios têm esse odioso e admirável privilégio. O comum é o padrão e a humildade é uma virtude indispensável para os que contam apenas com suas qualidades mortais para prosperar.

Sempre tem algo a se aprender, a perscrutar, a minerar de histórias tão ricas e totêmicas como o renascer da Apple. Neste artigo, por exemplo, trago uma perspectiva que talvez ainda não tenha se deparado sobre essa história.

Os patinhos feios também acertaram

Naturalmente é comum os olhares se voltarem para Jobs. Vivemos em uma sociedade que exalta o individualismo. A admiração por figuras fortes e transgressoras é um traço cultural marcante no ocidente. O jornalismo e a indústria cultural tem gosto por individualizar feitos e épocas notáveis, porque construir personagens é mais interessante do ponto de vista mercadológico por ser mais simples e rápido para conquistar a empatia do público.

Mas as pessoas que foram responsáveis pela derrocada da Apple nos anos 1990 também tiveram um papel importante para sua recuperação. Após tanto errar, acertaram e esse acerto foi decisivo para o reerguimento da empresa. E esse acerto teve como origem a humildade de reconhecer as próprias falhas.

A era das trevas da Apple

Steve Jobs, que fundara a Apple em 1976 com Steve Wozniak, foi demitido em 1985. Decisão que entrou para a história como um dos maiores erros já cometidos ocorreu devido a conflitos de ideias e disputa de poder.

A demissão caiu nas costas de John Sculley, CEO da Apple na época, mas ele não tomou a decisão sozinho. A demissão ocorreu após votação na mesa diretora da Apple. Ou seja, pelo menos cinco pessoas foram cúmplices do “crime”.

Com a saída de um de seus fundadores, inevitavelmente a empresa entrou em uma nova fase. Fase que culminou na sua quase extinção.

O período ficou marcado com o lançamento de computadores problemáticos, como o Macintosh Portable, e poucos inspirados, como o Macintosh Quadra.

O resultado de anos de produtos que não caíram no gosto do consumidor, apostas equivocadas e conflitos políticos internos, levaram a Apple a perder 3 bilhões de capitalização em 1996.

Publicações de peso dos EUA tinham na Apple um exemplo de caso perdido.

Diante da iminência da bancarrota, o conselho da Apple resolveu voltar às suas origens e recontratou Steve Jobs.

Jobs retornou à empresa em 1997 quando ela estava a 90 dias de quebrar. Encontrou uma empresa bem diferente da época de sua saída. Mais burocrática, com produtos sem brilho e disputando espaço com uma concorrência ferrenha.

A situação era calamitosa e para que seu retorno à empresa que criara não fosse apenas para fechar o caixão, precisaria agir rápido e acertar de primeira.

Jobs imediatamente decidiu simplificar a linha de produtos e acionar todas as fontes de inspiração para fazer da Apple o lugar em que os consumidores encontrariam o que ninguém mais pensou.

Também precisou ser ousado, corajoso e persuasivo para conseguir um aporte fundamental de um antigo desafeto. Bill Gates investiu 150 milhões de dólares na Apple por intermédio da Microsoft.

Investimento fundamental para que Jobs conseguisse lançar no mercado em 1998 o bem-sucedido iMac G3. O produto além de ter agradado quanto aos requisitos técnicos, conquistou a preferência do público também pela estética colorida e luminosa.

Seguindo com a aposta da inovação, em 2001 chacoalhou o mercado ao lançar o icônico iPod. A revolução que repercutiu até os nossos dias e catapultou definitivamente a recuperação da Apple foi o iPhone de 2007.

Quais lições inspiradoras podemos tirar da recuperação meteórica da Apple?

Trazendo para o presente, quais lições são possíveis de extrair dessa história redentora e de superação?

Faço abaixo alguns apontamentos que creio poderem contribuir para enriquecer a análise.

Voltando casas para trás

Parece algo banal, mas é uma pequena atitude que significa muito para a correção de rumos. A autocrítica, o reconhecimento dos erros, pedir socorro.

O conselho da Apple precisou engolir o orgulho e recorrer a uma pessoa demitida anos antes para tentar arrumar a casa. É verdade que assim o fizeram como última e desesperada opção, mas fizeram e deram liberdade para Jobs agir.

Engolir o orgulho e pensar em um bem maior requer gesto de grandeza e racionalidade.

Acelerar na quinta marcha

Outro mérito de Jobs que podemos nos espelhar foi o de não esperar o avançar do crepúsculo e agir imediatamente para mudar processos internos da Apple dos anos 80.

Logo identificou falta de sincronia entre o catálogo de produtos de então da Apple e o desejo do público. No mínimo, percebeu um descompasso entre o que o consumidor esperava ou queria e o que era oferecido ou comunicado como solução.

Postura institucional cativante e afirmativa

Hoje é um clichê, mas o slogan “Pense Diferente” foi o escolhido por Jobs para marcar o seu retorno à direção da Apple.

Ele queria que o consumidor visse na marca o lugar onde se surpreenderia. Um lugar de vanguarda, imaginação, ousadia, algo distinto da concorrência.

Claro que para dar certo não bastaria apenas o conceito, mas colocar em prática. Porém, assumir esse compromisso institucionalmente foi uma bela carta de boas intenções que impactou não só o público externo, mas também o interno. A Apple dali pra frente deveria entregar mais que o mesmo para atingir suas próprias expectativas e cumprir sua promessa pública.

Pensar nas necessidades do consumidor

Uma das primeiras atitudes de Jobs foi simplificar a linha de produtos para priorizar o que entendia ser as principais necessidades do consumidor. Investiu em apresentar soluções que gerassem efeitos práticos no público da Apple.

A medida reduziu custos e ampliou os investimentos para promover os carros chefes eleitos por Jobs para sustentar a empresa até o lançamento de novos e revolucionários produtos.

Optar pelo essencial e guardar os adornos também pode ser revolucionário.

Diversificar as receitas

A Apple já se encontrava muito endividada e não havia mais opções de crédito. Opções óbvias. Jobs também precisou fazer um exercício de humildade e recorrer a um desafeto para conseguir um aporte providencial para o futuro da Apple.

No entanto, ainda que isso demonstre um gesto de desespero, a atitude não foi movida apenas pelo receio da água cobrindo o pescoço. Houve racionalidade na cartada.

Jobs sabia que Gates tinha faro para bons negócios, entendia de tecnologia e sabia que ele não era um desenvolvedor qualquer.

Ele apresentou suas ideias, a perspectiva de futuro, o que tinha em mente para convencê-lo de que o investimento tinha chances reais de oferecer ótimos retornos. Ele foi convincente o suficiente e conseguiu o que poucos esperavam aquela altura.

Autor: Eduardo Almeida

Especialista em reestruturação empresarial, reconhecido como "doutor das empresas", com foco em salvar instituições de saúde em crise no Nordeste através de diagnósticos precisos e intervenções estratégicas eficazes.

Data:

12 dez, 2024