Reestruturação Empresarial

Contagem Regressiva: MOfficer Enfrenta Luta Contra o Tempo

“Você não era ninguém se não tivesse uma calça da M.Officer nos anos 1980”, declarou Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores, para o portal UOL. Isso dá a medida do prestígio e popularidade que a marca criada pelo estilista Carlos Miele conseguiu alcançar. E dá a medida de sua derrocada.

Em uma década, a M. Office derreteu de 200 para 16 lojas. Em setembro último, entrou com um pedido de recuperação judicial na Justiça de São Paulo apresentando dívida de mais de R$ 50 milhões.

Pedido acatado, a M. Officer pelos próximos meses deverá exibir demonstrativos mensais de suas contas, seguir o plano de recuperação à risca e obter resultados concretos e satisfatórios.

A recuperação judicial é o último bote salva-vida para escapar do naufrágio. É um dispositivo jurídico criado para socorrer empresas no atoleiro e evitar a ruína de negócios, a amargura do desemprego e a redução do consumo.

Por isso, durante o período de recuperação, a empresa fica blindada de cobranças de dívidas e penhora de recursos essenciais para o prosseguimento de suas atividades.

Se mesmo diante dessas concessões, o paciente não dá sinais de reação, decreta-se o desligamento dos aparelhos, aciona-se o pedido de falência.

Neste artigo, quero compartilhar com os amigos leitores as causas que levaram a marca símbolo de status na elite paulista nos anos 1980 a situação tão crítica e os cenários prováveis para o futuro.

Antes da abertura e do Real: o apogeu da M. Officer

Hoje é raro se deparar com uma marca nacional que em poucos anos de fundação consiga conquistar proeminência inconteste no seu segmento. Mas antes da abertura econômica nos anos 1990 isso era comum.

Antes não havia a concorrência predatória das multinacionais sedentas para abocanhar fatias expressivas do mercado.  Havia protecionismo para com a produção nacional. Foi neste contexto que surgiu a M.Officer, fundada em 1986.

No entanto, seria injusto creditar somente ao protecionismo à indústria nacional a causa pelo estouro da marca. Diversas empresas brasileiras nasceram e morreram durante o período de blindagem a sanha internacional sem sequer arranhar o patamar conquistado por Carlos Miele.

A M. Officer revolucionou o mercado nacional de vestuário ao trazer novidades, o frescor das ideias de Miele como designer recém-formado, a qualidade distinta do material das peças e a estratégia de marketing efetiva e eficiente. Além de competência administrativa, pois conseguiu romper as fronteiras de São Paulo e se espalhar por shoppings de todo o país.

Não só: durante a época que o Brasil abriu a porteira para o mundo, ela teve visão de mercado para competir e sobreviver. Ao contrário de muitas de suas concorrentes contemporâneas.

Era das franquias: reação a chegada das multinacionais

O tempo começou a virar para a M.Officer com o Plano Collor posto em marcha em 1992 e com o plano Real aplicado em 1994. Com esses ingredientes, marcas como Levi’s e Diesel aportaram no país e o consumidor brasileiro finalmente teve condições de se organizar financeiramente para investir em outros itens de consumo que não os essenciais para a subsistência.

Se antes o mercado de luxo no Brasil era composto por marcas premium brasileiras, as multinacionais vieram ressignificar esse conceito. Foi o período de desaparecimento de marcas nacionais, seja por falência, seja por venda aos conglomerados famintos.

Porém, a M. Officer conseguiu durante um tempo responder bem às mudanças no mercado. Ela redobrou o investimento em marketing e decidiu adentrar ao mundo das franquias.

Foi na época que ampliou sua presença de mercado e penetrou em outros terrenos fora do sudeste. A marca ganhou abrangência nacional e chegou a ter mais de 200 lojas, contando com as franqueadas, e e-commerce.

A estratégia para sobreviver aos cercos dos tubarões deu certo. Em 2006, por exemplo, era a marca mais lembrada pelos jovens.

Mar revolto: 2013 marca o início do pesadelo

Apesar da estratégia acertada de ampliação de mercado e de se conectar com o público jovem, a concorrência nunca deixou de ser um fantasma. A situação apenas se agravou com a chegada das marcas asiáticas com seus investimentos agressivos e preços sedutores.

Mas a M. Officer balançou no ringue pela primeira vez no final de 2013, época em que a empresa foi denunciada por submeter um casal boliviano a trabalho escravo. A marca voltou aos noticiário em 2014, na ocasião em que 6 imigrantes bolivianos foram libertos de condições análogas a escravidão de uma oficina ligada a empresa.

A M. Office foi condenada a pagar R$ 6 milhões.

O dano de imagem aliado à concorrência feroz, inclusive doméstica (Renner e Riachuelo cresceram notavelmente no período), colocou a empresa de Miele em maus lençóis.

Ele, que tinha saído da direção da empresa para construir uma sólida carreira internacional como estilista, voltou ao comando M.Officer em 2016. Porém, desta vez não encontrou soluções para os problemas profundos em que a marca se via mergulhada.

O efeito pandemia

Para piorar a situação delicada, instalou-se um período de exceção que reduziu drasticamente as receitas da empresa.

No despacho que apresentou à Justiça para justificar o pedido de recuperação judicial, consta que neste período houve queda de 91% das vendas. Além disso, houve acentuada elevação da inadimplência dos consumidores.

Chegou tarde para a selfie

A grife não soube continuar conectada aos jovens. O grande erro foi não perceber a mudança comportamental em curso provocada pela ascensão da tecnologia digital na década de 10.

A M.Officer demorou a marcar presença no online para seguir relevante no gosto da geração caçula. Este atraso a fez ser associada a um público mais velho, analógico e cringe, pela percepção da garotada.

O olhar tardio para o digital também trouxe dificuldades na pandemia, quando o e-commerce se tornou o único meio possível para fazer caixa.

Dez anos depois

A situação da M.Officer dez anos após a sua primeira grande crise de imagem é de uma empresa com 16 unidades, sendo 12 lojas físicas e 4 franqueadas. Das lojas físicas, mais da metade está em shoppings em São Paulo. Hoje é responsável pelo emprego direto de 130 funcionários e mais algumas centenas de empregos indiretos.

O pedido de recuperação judicial para reverter a dívida de R$ 53,5 milhões ocorreu após tentativas frustradas de reestruturação do negócio. A M.Officer recorreu a um “corpo de gestores qualificados” para reverter a crise, conforme explica em seu despacho, mas as iniciativas não surtiram o efeito esperado.

Meses decisivos

Os próximos 180 dias, já iniciados, serão os mais decisivos da história da tradicional marca paulistana. É o tempo dado pela Justiça para conseguir reverter a crise e apresentar números satisfatórios às necessidades dos credores.

O futuro é incerto, pois vivemos tempos acelerados e imprevisíveis. Se no ambiente doméstico encontramos clima mais ameno, sinais de melhora da economia e perspectiva de crescimento razoável para os próximos meses, o contexto internacional não colabora.

Neste momento eclode um segundo conflito bélico de grandes proporções capaz de estremecer o tabuleiro da geopolítica e provocar reações de alta repercussão no mercado mundial: o conflito Israel e Palestina.

A guerra na Ucrânia segue firme e há temores que volte a ganhar intensidade devido ao desvio de foco provocado pelos atentados terroristas no Oriente Médio. O agravamento dessas crises pode afetar a economia mundial e promover acréscimo acentuado do custo de vida.

Voltando a olhar para a nossa casa, apesar da aparente melhora da economia, ela pode ser arrefecida pelos traumas provocados pelos anos de crise. Os pedidos de recuperação judicial em 2023 batem recorde, empresas tradicionais entraram na bancarrota e o consumidor continua se recuperando do estrago dos últimos anos.

Isto pode reduzir a velocidade da recuperação econômica e do aquecimento do mercado interno de consumo. Cenário que não favorece empresas do varejo como a M.Officer.

Navalha e criatividade

Contudo, o futuro não reserva apenas trevas. Há possibilidades de boas notícias como a redução da taxa de juros, do desemprego e da inadimplência.

O problema da M.Officer é o tempo relativamente curto para se recuperar. No entanto, vivemos tempos acelerados. Até dezembro alguém arrisca dizer que nada de relevante ocorrerá no Brasil e no mundo?

Acredito que o determinante, entretanto, será a capacidade dos gestores da recuperação em reduzir custos e encontrar soluções criativas para aumentar e diversificar as receitas.

Apesar de não ser impossível, seria necessário sucessivos eventos transformadores para mudança conjuntural profunda como a requerida para aquecer significativamente o morno mercado interno de momento. O mundo anda acelerado, mas ainda respeita as leis de trânsito.

Autor: Eduardo Almeida

Especialista em reestruturação empresarial, reconhecido como "doutor das empresas", com foco em salvar instituições de saúde em crise no Nordeste através de diagnósticos precisos e intervenções estratégicas eficazes.

Data:

17 out, 2024