Consultoria Empresarial

Desafios Pós-Pandemia: Varejistas Sentem o Impacto e Preveem Ano Difícil

O primeiro semestre foi um balde de água fria para as varejistas nacionais. Havia uma enorme expectativa sobre o efeito pós-pandemia, a volta, em tese, do consumidor para os centros de consumo disposto a gastar parte de sua poupança, mas isso não ocorreu. Pelo menos, não do jeito que se esperava.

O consumidor brasileiro de fato usou sua reserva neste período, mas não foi para investir em bens que dependem de financiamento, como móveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos. A tímida alta de 0,2% nos consumos das famílias registrada no primeiro trimestre de 2023 esteve mais relacionada a serviços e bens essenciais.

O brasileiro para completar o orçamento familiar vem retirando cada vez mais recursos da poupança e ficando quase sem nenhuma gordura para lidar com imprevistos ou se encorajar a grandes investimentos.

Fora a questão da grana curta, ainda há outro aspecto emergido do mundo pós-pandemia (a OMS decretou o fim da pandemia oficialmente em maio) que abalou o otimismo das varejistas em relação a 2023: a mudança de comportamento.

Fim da sazonalidade: o mundo nunca mais será o mesmo

Essa foi a descoberta desagradável do empresariado do varejo. Se havia a expectativa de retorno a normalidade, a normalidade deixou de existir na quarentena e foi substituída por uma nova e irrevogável realidade.

No mundo pós-pandemia, o consumidor já não frequenta mais as lojas físicas como antes, por escolha própria. A comodidade oferecida pela eficiência do e-commercer revelou uma nova forma de consumo para milhões de pessoas, acrescida ao fato da habituação imposta pelo longo tempo de comércios físicos fechados.

O consumidor brasileiro também se habituou a escolher marcas mais baratas devido ao catálogo infinito oferecido pela internet e por descobrir, por força da necessidade, que apesar de baratas, cumprem com os requisitos essenciais do custo-benefício.

Essa mudança de comportamento gerou fenômeno inédito no varejo. A falta de sazonalidade. Março foi um mês considerado razoável, mas abril foi desastroso, apesar de contar com um feriado tradicional como a Páscoa.

Como se planejar para o futuro sem ter mais referências de alta e baixa temporada? O comportamento das varejistas diante dessa perspectiva temerária foi o de colocar o pé no freio, interromper qualquer projeto de expansão e cortar gastos para defender o terreno já conquistado.

O comércio terá que se adaptar a esse novo cenário, se adaptar ao novo comportamento do consumidor e identificar quais estratégias e setores deverão receber mais investimentos.

Sem respiro: crise brasileira se arrasta e corrói fôlego das empresas

A crise brasileira sem dúvida faz parte da explicação do balde de água fria na primeira metade de 2023. Apesar de o cenário econômico ter melhorado, inflação em queda, preço dos combustíveis caindo, alta da projeção do PIB, melhora da confiança, não se pode ignorar que ainda viemos as consequências de anos de crise.

Mesmo com a redução de algumas despesas, a percepção do consumidor ainda é que tudo está “pela hora da morte”.

Hoje o cenário se apresenta mais duro para as empresas do que a pior crise econômica que marcou a gestão de Dilma Rousseff, considerada a pior crise de nossa história. Naquela época, as empresas podiam contar com a bonança dos anos anteriores para resistir ao pior da tormenta sem grandes transtornos.

Mas a crise da pandemia veio em sequência a um período instável, de estagnação, mas sem avanços significativos na economia.

Não houve tempo para se obter novo fôlego, foi uma crise seguida de outra que prolongou um período terrível. Por isso, o pós-pandemia está se revelando mais ruinoso e nocivo ao varejo nacional.

A gordura acabou. O que resta agora é sobreviver e para isso é necessário tomar decisões duras e amargas.

Famílias endividadas, juros calamitosos

Se as empresas não tiveram fôlego, imagina as famílias brasileiras? O endividamento aumentou calamitosamente e se acumula. Em abril, 78,3% dos núcleos familiares do país tinham dívidas. No ano anterior, a média foi de 77,9%, recorde desde que o levantamento começou a ser feito em 2011.

Claro que a crise está associada (na verdade, consuma-se) com o alto desemprego, que essa altura já se tornou crônico (67 milhões), alta da inflação e dos juros.

Juros, aliás, visto como um dos principais vilões no momento ao balanço das empresas. O Banco Central, capitaneado por Roberto Campos Neto, insiste em manter a taxa Selic em estrondosos 13,75% apesar de indicadores que apontam reação da economia brasileira e do apelo de representantes de peso do varejo nacional para redução da taxa.

A despesa financeira advindas dos juros corrói o resultado operacional e limita a capacidade de investimento. O efeito para o cliente é de restrição ao crédito que culmina na limitação da demanda.

A bomba das Americanas

Como se não bastasse esse cenário difícil e caótico, no começo do ano o mercado brasileiro, e pode-se dizer o mundo inteiro, foi surpreendido com a notícia do rombo no balanço das Lojas Americanas.

Escândalo que gerou repercussões econômicas desastrosas, pois afetou toda uma rede de empreendedores que orbitavam em torno da franquia e acendeu um alerta vermelho nas instituições financeiras.

O crédito passou a ser mais restritivo para as empresas do setor devido à desconfiança da capacidade destas de superar a crise diante dos novos desafios advindos do mundo pós-pandemia.

O annus horribilis do varejo brasileiro em números

A maior prova do que foi exposto até aqui são os números do varejo no primeiro semestre.

Dez grandes varejistas com ações na Bolsa registraram prejuízo ou queda no lucro.

O Grupo Renner fechou 20 lojas, a Marisa entrou no modo turnaround após o fechamento de 91 lojas e a Tok&Stok encerrou as operações de seis unidades.

A Magazine Luiza teve retração de 13% do número de lojas nos últimos 12 meses contados até março.

Até o atacarejo que vinha apresentando bons números apesar da crise este ano sofreu um baque. O Assaí, por exemplo, registrou queda de dois terços do lucro no primeiro trimestre.

A venda off-line cresceu apenas 2% no setor de eletrodomésticos e as vendas online caíram em 14%, segundo a consultoria GfK.

Apenas o mercado de farmácias está conseguindo se manter melhor que os outros segmentos.

Apesar do início nada animador, ainda há, no entanto, esperança de que o segundo semestre será melhor. E boa parte da esperança está depositada na expectativa da redução dos juros, que pode melhorar a dinâmica da demanda e dos empréstimos para financiamentos.

Fica a torcida.

Autor: Eduardo Almeida

Especialista em reestruturação empresarial, reconhecido como "doutor das empresas", com foco em salvar instituições de saúde em crise no Nordeste através de diagnósticos precisos e intervenções estratégicas eficazes.

Data:

12 jul, 2023