Recuperação Judicial

Amaro: Startup de Roupas em Recuperação por Dívida Milionária

O ano promete ser longo. Nem bem chegamos ao término do primeiro semestre e já fomos tomados por notícias assustadoras e surpreendentes no varejo brasileiro.

Primeiro, tivemos a bomba das Americanas que desencadeou sucessivas crises em empresas que orbitavam na sua esfera de influência. Depois, tivermos conhecimento da crise das Lojas Marisa e agora a tempestade estremece a Amaro, marca de vestuário centrada no e-commerce.

Além de vender roupas de sua marca, a varejista também vende produtos de outras fabricantes e recentemente ingressou no mercado de produtos para casa e infantil.

Em 28 de março, a Amaro entrou com pedido de recuperação extrajudicial para quitar R$ 101,8 milhões, montante que representa pouco mais de 40% de sua dívida total.

Os desafios previstos para a recuperação vingar e as causas que levaram a Amaro a entrar no redemoinho da crise são os temas que abordo a seguir.

Acompanhe.

Juros pantanosos e crédito encolhido

A situação é preocupante para a Amaro devido ao momento que precisa recorrer ao pedido de recuperação extrajudicial (segue o mesmo princípio da recuperação judicial, porém é mais célere e econômico).

O Brasil atravessa período de juros nas alturas, o que vem levando o Governo Federal e o Presidente do Banco Central entrar em rota de colisão. O Governo questiona o motivo do BC manter uma taxa de 13,75% ao ano se a situação do Brasil não é de pleno emprego, renda elevada, consumo e demanda em alta. Condição que justificaria os juros altos para controlar a inflação. O que notadamente não é o caso.

Por sua vez, Roberto Campos Neto, presidente atual do Banco Central, argumenta que a situação fiscal do país justifica a necessidade dos juros altos. Lembrando que o Banco Central obteve autonomia em relação às decisões do Planalto Federal na gestão passada.

Independente de quem esteja com a razão, o fato é que nos encontramos em período de juros altos, portanto, período perigoso e complicado de contrair e pagar dívidas.

Outro complicador é a retração do crédito no mercado, especialmente para o segmento varejista.

A crise das Americanas deflagrada no início do ano acendeu o alerta das instituições financeiras que passaram ser mais austeras para a concessão de crédito.

Ou seja, quem começar a se afundar no terreno pantanoso dos juros não poderá confiar em cordas de salvação por parte dos bancos, ao menos a curto prazo.

Como a Amaro entrou em crise?

Talvez cause surpresa o fato de marca que se estabeleceu no mercado operando exclusivamente em canais digitais estar entrando em colapso após um período de explosão do e-commerce no Brasil e no mundo.

Em tese, era de se esperar que diante de uma situação completamente excepcional que pegou todos de surpresa, como foi a pandemia, ela tivesse aproveitado bem a vantagem de já ser estabelecida nas vendas online.

Mas o motivo de sua derrapada está relacionada mais a uma grande decisão estratégica posta em marcha na hora errada do que em incompetência em surfar o crescimento galopante do comércio online.

A Amaro decidiu em 2021 iniciar um projeto de expansão e melhorias do negócio. Ela contratou um banco de investimento para captar recursos e assinou um termo de exclusividade em fevereiro de 2022.

Neste período, a empresa também contraiu dois empréstimos junto a instituições financeiras. A empresa justificou-se alegando que esse movimento foi devido à necessidade de manter o fôlego financeiro até o fechamento da rodada de investimentos do fundo.

O que ela não contava, entretanto, é que o fundo adiaria a entrada de recursos para o ano seguinte. O motivo do adiamento foi a crise do mercado de tecnologia.

Os últimos meses foram marcados por enxugamento dos gastos no setor, resultando em onda assustadora de demissões em massa.

Analistas avaliam que o mercado entrou numa bolha devido aos altos salários pagos pelos profissionais disputados a peso de ouro no mercado por razão do aumento crescente de demanda. 

Para reduzir a folha de pagamento, a estratégia tem sido cortar gastos e contratar jovens promessas talentosas que aceitem salários menores e jornadas mais intensas de trabalho.

Isso sem contar redirecionamento de recursos para a queridinha do momento: a IA.

Negociações fracassaram

Com o adiamento, a Amaro tentou atrair novos investidores e negociar com os bancos a dívida contraída, porém os credores fizeram jogo duro e não suavizaram as condições de pagamento.

A captação de novos investidores também naufragou devido ao período instável e de futuro incerto na economia brasileira e mundial.

O resultado desse inferno astral foi o pagamento de R$ 24,5 milhões só em juros em 2022. Certamente gasto que exerceu enorme pressão no caixa da empresa, principalmente ao se considerar que esses recursos estavam reservados ao pagamento de fornecedores e prestadores de serviços.

Diante desse quadro, a Amaro teve que fazer escolhas e optou por pagar os funcionários e os serviços essenciais básicos. Escolha que levou fornecedores a suspender seus serviços.

Concorrência também pesou

Não foram apenas fatores econômicos e infortúnios que levaram a Amaro ao pedido de recuperação extrajudicial. A concorrência também influiu.

A entrada de gigantes asiáticas no Brasil nos últimos anos prejudicou as vendas de seus produtos. Shein, e principalmente a Shopee, há mais tempo no Brasil, aumentaram muito sua penetração no mercado brasileiro com produtos com preços extremamente competitivos e sistemas de venda agradável aos consumidores.

A penetração desses players asiáticos tem causado enorme incômodo as varejistas brasileiras, tanto que empresários e congressistas tem feito lobby para a Receita Federal taxar os produtos chineses.

Proposta que chegou a ser formulada pelo atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas que recuou devido à repercussão negativa.

Inflação e os aluguéis

Por fim e não menos relevante para a crise na Amaro foi a alta da inflação e o reajuste nos contratos de aluguéis. Contexto que elevou os custos das lojas.

A Amaro apesar de ter iniciado apenas com o e-commercer, e seguir o priorizando, também investiu na abertura de lojas físicas em shoppings nas principais capitais do Brasil.

Aguardemos os próximos capítulos

Provavelmente a luta para reverter a crise será o principal mote de 2023 e o sucesso dependerá da melhora das condições externas. Melhora da economia, redução da taxa de juros, entrada dos recursos do fundo, ambiente internacional mais estável.

Tudo ainda é muito incerto, por mais que façamos projeções. Guerra da Ucrânia terá fim? O governo conseguirá aprovar suas reformas fiscais? Os juros continuarão em alta? Nos resta aguardar e fazer nossas apostas.

Autor: Eduardo Almeida

Especialista em reestruturação empresarial, reconhecido como "doutor das empresas", com foco em salvar instituições de saúde em crise no Nordeste através de diagnósticos precisos e intervenções estratégicas eficazes.

Data:

04 maio, 2023