Há água entrando no navio, o mar está revolto com a tempestade em curso, o alarme já soou e há previsão de mais tormenta a vista. É esse o cenário que se apresenta para uma das gigantes do varejo nacional: Marisa (AMAR3).
O início do ano começou duro, com notícias nada alvissareiras que fizeram as ações ordinárias da rede recuar 6,19%.
No começo de fevereiro, a companhia anunciou a renúncia de Adalberto Pereira dos Santos, até então CEO do grupo havia apenas 8 meses. A saída precoce desse profissional renomado em seu meio disparou todos os alerta dos investidores e acionistas.
Se nem o Adalberto deu conta, é sinal de que o buraco é mais embaixo e amplo do que se supunha.
A crise na Marisa
Ninguém minimamente calejado e informado sobre o mundo corporativo acreditava que a Marisa vinha bem das pernas, porque, afinal, poucos saíram imunes do tsunami da crise brasileira.
Além do longo período de instabilidade, veio a pandemia para instaurar o caos, fechar portas e esvaziar ruas; atingindo em cheio o setor terciário.
Observadores atentos sobre o desempenho da companhia nos últimos anos puderam observar queima trimestral de caixa e prejuízos galopantes. Por razão da pandemia, a Marisa necessitou repor estoques e queimou quantia considerável de recursos com juros e dívidas.
A dívida bruta da Marisa em setembro de 2022 era de R$ 788 milhões.
Endividamento que correspondia a 44,7% do seu patrimônio.
Mas o anúncio da saída, mais o informe da contratação do banco BR Partners e da consultoria Galeazzi para ajudar nas negociações com as dívidas, escancarou que a crise é profunda.
Com essa movimentação, a Marisa sinaliza que recorrerá a um turnaround (virada) para evitar um colapso financeiro irreversível. Medida cogitada usualmente como solução mais segura e eficaz após o ruir de outras abordagens para lidar com a crise.
O problema é que mesmo contando com profissionais qualificados e experientes em lidar com empresas em dificuldades, as barreiras são numerosas e desafiantes. A virada não é certa.
Tempestade perfeita: os diversos entraves que podem atrapalhar a recuperação da Marisa
A situação financeira delicada costuma ser um desafio imponente e estressante por si só. Mas o que torna o caso da Marisa, e provavelmente de qualquer empresa que venha enfrentar essa tormenta em 2023, mais complexo é o contexto atual da economia.
Selic em alta: juros robustos, redondos e rolantes
A taxa Selic atual é de 13,75% ao ano, segundo a última ata do Copom. Uma taxa estratosférica que coloca o Brasil no topo mundial dos juros.
Isso significa que os juros de dívidas contraídas ficam mais caros de se pagar, ampliando a necessidade de fazer caixa, o que costuma impactar em operações internas da empresa (corte de gastos) e em compromissos futuros (empréstimos).
Também influencia na negociação das dívidas, pois tende a estimular pedidos de prolongamento do prazo de quitação, gerando mais dificuldades para acordos com os credores.
Com os juros altos, a Marisa também enfrentará dificuldade para oferecer crédito ao o seu público. Um estímulo e fator de persuasão significativo para o desempenho do seu negócio.
Ainda entra na conta da Selic elevada, o esfriar generalizado do consumo pelo país, pois as pessoas se intimidam e evitam compromissos de longo prazo com juros tão exorbitantes. Contexto que prejudica o mercado na sua integralidade, afetando todos os seus players.
O caso Americanas: bomba veio na pior hora e evaporou o crédito para o setor
Para piorar o cenário externo para a Marisa, estouro em janeiro o escândalo das Americanas.
O economista Sergio Rial renunciou em 11 de janeiro do cargo de presidente da empresa, passados apenas dez dias de sua posse. O motivo principal para essa ruptura foi a detecção de uma inconsistência contábil de R$ 20 bilhões.
A notícia foi um terremoto no mercado. Desabou ações, gerou quebradeira de parceiros comerciais, cancelamento de débitos, contratos, enfim, deflagrou uma crise súbita, potente e de repercussão potencialmente calamitosa para a economia nacional.
A crise acendeu o alerta para com as outras empresas ligadas aos empresários envolvidos e a todo o setor do varejo.
Ocorre ainda que o rombo das Americanas abocanhou a fatia do bolo que os bancos calculam perderem anualmente ao conceder empréstimos. E o ano nem começou direito.
Esses fatores pressionam as financeiras a assumir a postura de evitar crédito para empresas que não geram caixa.
Ou seja, será uma verdadeira batalha para os negócios que precisarem de capital de giro conseguir crédito para rolar a dívida.
Incerteza sobre retorno de lucro
Para conquistar a confiança dos credores é necessário mostrar indícios de que a empresa voltará a dar lucro em uma projeção de curto a médio prazo. Mas não é este o cenário que se apresenta para a Marisa.
O perfil de seu público tem poder aquisitivo baixo e parcelar compras é perigoso com juros elevados.
A perspectiva da Marisa em futuro próximo é apenas de consertar o barco, mantê-lo funcional e aguardar a melhora do tempo para navegação em águas seguras e promissoras.
A Shein promete vir com tudo
E para completar a tempestade perfeita ao turnaround da Marisa, ela ainda terá que lidar com a entrada de uma concorrente de peso no mercado nacional. A gigante chinesa do varejo de moda, Shein, desembarcou no Brasil recentemente e mira o seu público-alvo.
A varejista vem investindo no Brasil e desenvolvendo uma rede própria de logística.
Como tudo que envolve a China é gigantesco, extremamente competitivo e planejado, a tendência é se deparar com uma concorrência com fome e capital vultoso para crescer.
Futuro incerto
Sem dúvida tempos desafiantes estão diante da Marisa e dos responsáveis a frente de seu turnaround. Obstáculos não faltam e todos podem somar para inviabilizar seus esforços e impedir a retomada do lucro.
No entanto, como vivemos tempos incertos e de transformações repentinas, não é prudente descartar mudanças de ventos inesperadas ou o surgir de soluções imprevistas que derrubem os entraves mais significativos.
O que é certo, contudo, é que a recuperação da Marisa não será rápida, simples e muito menos indolor.