Turnaround Corporativo

Cuidados na Transição de Governo e o Impacto nas Empresas

As eleições do dia 30 de outubro confirmaram o desejo de mudança pela maioria da população brasileira. Em termos práticos, isso significa que os ocupantes do atual governo deverão sair de cena a partir do dia 1º de janeiro de 2023 para a posse do novo núcleo político. 

Sempre que essa situação ocorre é necessário iniciar o chamado “Governo de Transição”, conforme disposto na Lei 10.609/2002. 

A lei que estabelece como prazo para o início da transição dois dias úteis após o turno que decidiu as eleições.  

O decreto 7221/2010 define que a transição de governo se trata da colaboração do governo atual e o eleito para garantir a continuidade dos serviços prestados a sociedade.

É uma medida de transparência de gestão necessária para munir o governo eleito de informações indispensáveis sobre a situação atual da máquina pública, seus gastos, receitas, investimentos, etc., a fim de poder planejar as primeiras ações e identificar os pontos críticos. 

Sobre a importância de uma transição transparente e harmoniosa

A definição sobre quem estará no comando do executivo do país nos próximos quatro anos sem dúvida é importante para se fornecer uma perspectiva de futuro. 

A partir do conhecimento de quem estará no comando é possível elaborar previsões sobre o rumo do país, suas prioridades para os próximos anos, as oportunidades e entraves que proporcionará. 

Informação que colabora para uma projeção de futuro menos incerta e mais estável. No entanto, os resultados das urnas não bastam para aumentar a segurança quanto ao futuro e consolidar um quadro de estabilidade. 

É importantíssimo que os sinais de um novo ciclo de segurança e previsibilidade se manifestem já no período de transição. 

Se houver dificuldades de relação entre o governo atual e o governo eleito quanto ao repasse de informações técnicas importantes para o planejamento do próximo ciclo, por exemplo, o risco de afastar investidores aumenta.

Como planejar investimentos em um país cujo governo de transição não é transparente sobre a “herança” que a nação herdará para o próximo ano?

Como o governo eleito poderá confirmar ou não suas expectativas, seus planos, suas prioridades se não tiver certeza se terá condições de pôr em prática o que planeja?

Pois esse é o risco e as possíveis consequências da falta de colaboração entre os núcleos políticos envolvidos no processo de transição. 

Com o país no “escuro”, a incerteza sobre os próximos passos do governo quanto ao seu plano econômico se eleva. E incerteza é sinônimo de risco para o mercado financeiro. 

A desconfiança de investidores internos e externos gera um efeito cascata que tende a atingir todos os setores da economia. Menos investimento esfria o consumo interno, as exportações, importações e influencia os índices inflacionários. 

Exemplo de fora

Para reforçar a importância de uma transição de governo transparente, harmônica e confiável, podemos usar como referência um caso recente de governo de transição.

Em 2020, ocorreram as eleições norte-americanas, cujo desfecho proporcionou situação idêntica a que vivemos no presente. 

O presidente em exercício que concorria a reeleição, Donald Trump, do partido Republicano, foi derrotado pelo candidato da oposição representada pelo partido Democrata, Joe Biden.

O período de transição foi marcado pela recusa de Trump de aceitar o resultado da eleição, pôr em suspeição o sistema eleitoral norte-americano, instigar seus eleitores fanatizados a impedir a posse e dificultar o máximo possível o trabalho necessário de cooperação para o início do próximo governo. 

A reação do mercado diante dessa postura, desse permanente estado de conflito político, foi negativo. 

Uma das democracias mais consolidadas do mundo passou a ser questionada e pavimentou risco político elevado. O impacto nas bolsas de Nova York e no mercado financeiro mundial foi imediato.  

Mesmo após a posse de Joe Biden, sem a presença de Trump, o cenário econômico continuou instável, com a inflação alcançando patamar negativo que por décadas os norte-americanos não testemunhavam. 

Os analistas econômicos são praticamente unânimes em apontar que a instabilidade política prolongada para o período de transição colaborou para a manutenção do desempenho econômico aquém das expectativas.

O período de transição no Brasil

No Brasil, os primeiros sinais pós 30 de outubro não foram positivos. Como muitos analistas políticos previram, a reação de Bolsonaro em caso de derrota seria tentar espelhar o comportamento de Donald Trump, que bebe nas suas mesmas inspirações políticas. 

O atual presidente colocou em dúvida a lisura do sistema eleitoral brasileiro e sua base de apoio incentivou uma onda de protestos que paralisou estradas e rodovias pelo país. 

O comportamento da polícia federal foi considerado conivente e há fortes suspeitas que os protestos estejam sendo patrocinados por empresários simpatizantes a do governo Bolsonaro. 

A maioria dos bloqueios foi desbaratada após semanas de paralisações, mas os manifestantes continuam em atividade. 

Estão prostrados diante de quarteis do Exército Brasileiro clamando por “intervenção federal”, um eufemismo para um golpe de estado. 

Ainda paira no ar a apreensão sobre o dia da posse de Luiz Inácio Lula da Silva. O receio é que os grupos fanatizados tentem uma ação de viés terrorista, como ocorreu em Washington em janeiro de 2021.

No entanto, apesar das primeiras movimentações do pós-eleição de parcela do lado derrotado terem sidos exaltadas e radicais, não vem comprometendo a transição até o momento.

Transição em marcha

Após mais de 48h de silêncio, Bolsonaro se pronunciou a respeito do resultado das eleições. Em seu breve discurso, talvez a frase mais importante tenha sido a informação de ter autorizado o início dos trabalhos de transição por parte do governo federal.

Coube a Ciro Nogueira a tarefa de abrir diálogo com o coordenador do núcleo de transição do governo eleito, cargo ocupado pelo próximo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin. 

Nas semanas que se seguiram, foram divulgados os nomes a integrar os núcleos da equipe de transição e até o momento não se houve notícia de empecilhos colocados pelo governo em fim de mandato. 

O cenário, aliás, que vem se descobrindo para 2023 não é animador, mas o fato da equipe do novo governo receber tais informações é uma boa notícia. 

Os protestos nas ruas não prejudicam os trabalhos da chapa vencedora a assumir o poder e o risco de um golpe de estado é considerado baixo pela maioria dos analistas.

Contudo, o clima de beligerância deve continuar em marcha nas ruas até o dia da posse e nos primeiros meses de governo. 

Período de instabilidade e incerteza que, a exemplo do que ocorreu nos EUA, pode prejudicar o desempenho da economia para o próximo ano.

Mas se quisermos continuar a mirar o exemplo norte-americano, é possível alimentar certo otimismo. 

Após o primeiro ano delicado na economia, o governo de Joe Biden conseguiu melhorar seu desempenho ao ponto de evitar uma “onda vermelha” republicana nas eleições de meio de mandato realizadas neste ano. 

Os democratas continuaram a exercer controle sobre o Senado e perderam a Câmara por diferença apertada.

Um sinal inconteste de melhora da imagem do governo perante o eleitor e isso só pode vir atrelado a uma melhora no padrão de vida do cidadão médio. 

De olho na PEC da transição

Outro detalhe que merece atenção dos investidores e empresariado é sobre a aprovação da PEC da Transição. 

A PEC propõe colocar o orçamento destinado para o “Auxílio Brasil”, que voltará ser chamado de “Bolsa Família”, fora do teto de gastos. Medida considerada providencial pelo governo eleito para garantir a manutenção do auxílio em 2023.

A aprovação da PEC, com votação prevista para este mês, será o primeiro teste de fogo do governo eleito. 

A aprovação sinalizará um 2023 menos apertado economicamente para o executivo e força política para aprovar as pautas que considera essenciais. 

Se reprovada, acionará o sinal de alerta. Significará um início de governo difícil e conturbado. 

Autor: Eduardo Almeida

Especialista em reestruturação empresarial, reconhecido como "doutor das empresas", com foco em salvar instituições de saúde em crise no Nordeste através de diagnósticos precisos e intervenções estratégicas eficazes.

Data:

05 jan, 2023

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