Hoje vou falar de um tema controverso, pois tem gerado muito debate no mundo jurídico e muitas dúvidas no meio empresarial: novação na recuperação judicial.
Novação trata-se da constituição de uma obrigação nova em substituição de outra antiga, que se extingue.
É um recurso de flexibilização de um vínculo obrigacional previsto desde o direito romano. Em termos mais simples, seria a transformação de uma obrigação em uma nova que anula as garantias impostas pela antiga.
Ou seja, se há um débito existente no qual foi dada como garantia uma propriedade, a novação estabelece nova condição para o pagamento da dívida e anula o efeito previsto do descumprimento da dívida antiga: a perda do imóvel. Perda que poderá ocorrer somente em caso de não se honrar o novo compromisso firmado.
Esse recurso é relativamente comum em negociações com pessoas físicas. Ocorre em alguns casos dos próprios credores oferecer essa possibilidade para diminuir a inadimplência e receber o investimento.
Elementos da novação
Uma novação, para ser reconhecida como tal, precisa ser constituída dos seguintes elementos:
- Consentimento: Pode fazer novação todo aquele que tem aptidão para validamente pagar e receber;
- Antiga obrigação: existência de uma obrigação antiga que esteja em vigor e se enquadre em todos os requisitos legais. É impossível uma obrigação nula ser substituída pelo recurso da novação;
- Anulação e validação imediata: no mesmo momento que se extinguir a obrigação antiga a nova deve ser validada e entrar em vigor. Caso esse procedimento de validação não ocorra, a obrigação antiga deixa de ser nula, pois a mera existência de um novo acordo não erradica os efeitos do precedente.
Novação para entidades jurídicas
A novação também é um mecanismo recorrido para lidar com pendências entre pessoas jurídicas, mas seus efeitos são diversos em relação aos executados com pessoas físicas.
Diferenças que levantam muitos questionamentos e debates sobre a viabilidade de se optar por esse meandro jurídico em se tratando de casos de recuperação judicial.
Novação regida pela CC e Lei 11.101/05 são contrastantes
No Brasil, o ordenamento jurídico prevê regimes distintos para a aplicação do conceito de novação. Uma para o âmbito civil, regulado pelo Novo Código Civil de 2001, e outra prevista na Lei de Recuperação e Falências (Lei 11.101/05).
A novação disciplinada pelo CC tem como regra a extinção das garantias da dívida a ser substituída. Isso significa que com a implementação de uma obrigação substitutiva a principal, as implicações geradas pela primeira são extintas em face das novas condições propostas.
Exemplificando, se ficou acertado que o não pagamento da dívida antiga implicava na transferência de bens como garantia, a novação constituída encerra esse compromisso que voltará a pauta somente com a eventual inadimplência do novo acordo.
Efeito que não ocorre com a novação prevista pela Lei de Falências. Por essa novação, as garantias constituídas da primeira dívida não são extintas, somente com a aprovação do credor.
Ou seja, pode ocorrer do inadimplente conseguir modificar as condições de pagamento, mas perder os bens postos como garantia por ter ficado inadimplente.
Por que gera debate?
A não extinção das garantias aos credores da dívida principal ao se estabelecer uma novação na recuperação judicial escancara um conflito.
Ora, se a novação estabelece a sobreposição de uma obrigatoriedade por outra é contraditório que permaneça em vigor os efeitos do acordo substituído. Essa condição deturpa o próprio conceito de novação, assinalam alguns especialistas.
Afinal, a dívida antiga foi ou não substituída? Se sim, porque os termos da primeira continuam a repercutir?
Tal condição gerada não estaria cobrando o devedor duas vezes pelo mesmo débito, ainda que de maneiras distintas? Assim sendo, isso vai de encontro ao direito civil brasileiro que veda a cobrança duplicada de uma dívida.
Por que existe esse conflito?
Se a aplicação da novação nos processos de recuperação judicial transparece flagrante contradição ao próprio ordenamento jurídico brasileiro, porque essa distorção não é corrigida?
Não é uma questão simples. É peculiar do Direito tratar de questões complexas que dificultam a imposição de certezas. Quase sempre há uma brecha, um conflito em relação a outras leis que obriga a introdução de elementos subjetivos para o prosseguimento de movimentos decisórios.
Há o entendimento na jurisprudência vigente de que a novação aprovada pela recuperação judicial violaria direitos e privilégios dos credores. É preciso ter em vista que a novação pode ser uma ótima solução para o inadimplente, mas pode não atender as necessidades dos credores.
Foi neste sentido a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto ao Recurso Especial nº 1.326.888.
Por isso, temos um impasse em relação à novação no âmbito da recuperação judicial. O que explica a dúvida da validade desse recurso para quem precisa de uma saída para salvar o negócio.
Vale a pena apelar para a novação na recuperação judicial? Pode ser considerada uma solução eficaz?
Meu parecer sobre a novação na recuperação judicial
Entendo que apesar de ser um mover de peças que não proporciona garantias, é uma opção válida desde que tomada algumas precauções.
É importante lembrar que o plano de recuperação judicial precisa ser aprovado por um magistrado encarregado pela condução do processo. Ele cuidará de avaliar se todas as partes terão seus direitos garantidos, ou não serão dramaticamente prejudicados pelo plano proposto.
É interessante, para evitar conflitos posteriores, incluir cláusulas no plano de recuperação que deixem claro a intenção de contar com uma novação que anule as garantias concebidas no primeiro vínculo contratual.
Essa tem sido uma medida adotada por muitas empresas em processo de falência e que julgo mais adequada para se chegar a um entendimento que favoreça o máximo possível as partes envolvidas.
Do contrário, a novação pode não fornecer as soluções esperadas para ajudar a empresa a superar o momento difícil.
Para mais informações a respeito do tema e auxílio para preparar um plano de recuperação judicial, entre em contato. Posso te ajudar a traçar o melhor planejamento para recuperar o seu negócio e pôr em ação as medidas necessárias para este fim.