Estratégias de Recuperação

Rússia Dá Calote na Dívida Externa, mas Putin Dorme Tranquilo: Entenda Por Quê

Governo russo falha no pagamento de credores estrangeiros pela primeira vez desde 1998. Falta de recursos, no entanto, está longe de ser o problema.

Pouparei o leitor de recapitular todo o imbróglio que a Rússia se meteu nos últimos meses, pois a essa altura até as pedras sabem. Contudo, relembrar questões cruciais reduz risco de confusões. 

No final de 2021, a tensão entre Rússia e Ucrânia aumentou dramaticamente. O governo ucraniano deu sinais de pretender ingressar nas fileiras da Otan, de influência dos EUA. Os russos consideraram essa possível adesão uma ameaça a soberania nacional. Em fevereiro de 2022, decidiram invadir os vizinhos de fronteira. 

Movimento que despertou reações do ocidente, capitaneado pelos EUA do governo Biden. Além de envio de armamento e recursos financeiros, os opositores do presidente russo Vladimir Putin investiram em pesadas sanções econômicas.

Mais da metade dos 640 bilhões de dólares de reservas do banco central russo foram congelados. As principais instituições financeiras do país foram excluídas do sistema Swift. 

Ao todo foram mais de 50 sanções econômicas contra o governo de Putin. O bloqueio econômico é o maior já imposto a uma nação. 

Era de se esperar que a crise estourasse nos cofres russos em algum momento. O primeiro sinal significativo dessa ofensiva do ocidente ocorreu em junho. Pela primeira vez em décadas, a Rússia deixou de honrar seus compromissos com credores internacionais. 

No entanto, apesar do cenário parecer tenebroso, o clima na terra de Lenin é sereno.

A Rússia entrou em processo de falência ou não?

Sim, em março a agência de classificação de riscos, Fitch, baixou a classificação da Rússia de B para C. A agência na ocasião projetou que a moratória russa era inevitável. 

Previsão que veio a se concretizar no final de junho, quando o governo russo se tornou oficialmente inadimplente. Quando um país falha em honrar o pagamento das dívidas externas, inicia-se um período de carência de 30 dias. Período iniciado em maio. Vencido esse prazo, se caracteriza o default. Exatamente a situação que a Rússia se encontra agora. 

Porém, há um consenso entre os analistas do mercado internacional que a situação do Kremlin é delicada, mas controlável. 

Tecnicamente, se encontra em processo de falência, porém esse rótulo falseia a realidade. A Rússia no momento é um caso sui generis

O que torna o caso da Rússia diferente?

O inusitado sobre o processo de falência do governo russo é que se trata de um país rico, mas inadimplente. 

A falta de pagamento ocorre pela impossibilidade de acesso a reserva do banco central. A Rússia tem capital para quitar sua dívida externa, mas está impedida de acessá-la devido às sanções econômicas.

Ou seja, é um país que vive a condição de nação em apuros financeiros, mesmo com recursos suficientes para quitar suas dívidas. 

Por isso, apesar do momento difícil, a Rússia está longe de ser considerada um desastre econômico. Há no horizonte a possibilidade do Kremlin voltar a ter posse do seu real poder financeiro e se recuperar da crise. 

Putin se planejou e não dormiu no ponto

A situação relativamente confortável do governo russo, mesmo diante de uma guerra em curso, é possível graças a planejamento e contenção de danos. 

Planejamento de anos como se pode aferir de um dado divulgado pela Bloomberg. O passivo russo com credores estrangeiros soma apenas 50 bilhões de dólares, dívida modesta para o padrão de um país desenvolvido.

Notou-se que o Kremlin trabalhou para reduzir sua dívida nos últimos anos e aumentar suas reservas. O país se beneficiou dos altos excedentes da exportação de petróleo e gás. 

Outro trunfo de Putin para suportar a tormenta é o apoio de nações aliadas. Sem dúvida o destaque vai para a China e Índia. 

O gigante asiático mantém uma postura neutra, nem condenando ou apoiando irrestritamente o ataque do aliado. Postura, no entanto, positiva suficiente para Putin, rechaçado por todas as potências do ocidente. 

É quase pedra cantada que em eventual agravamento da crise o governo russo poderá contar com apoio financeiro e bélico da China. Tal disposição apenas aumenta com a escalada da tensão entre China e EUA em relação a Taiwan.

No entanto, há apoio de efeito imediato. Tanto China quanto Índia continuam importando energia russa e ainda abrigam os bancos excluídos do Swift. 

O comércio entre os países assegura recursos valiosos para a Rússia manter a estabilidade em tempo de guerra.

Soluções caseiras

Além do apoio de players internacionais de envergadura, o governo Putin vem adotando medidas domésticas para frear os efeitos da crise. 

A primeira reação foi pedir apoio da elite financeira russa para manter sua fonte de recursos financeiros. 

Mas a cartada teve vida curta, pois os bilionários também sofreram sanções econômicas. 

O Banco Central Russo impôs duras restrições ao comércio de moedas. O efeito para a  população foi a proibição de retirar mais de 10 mil dólares das contas em moeda estrangeira. A restrição está prevista para se manter até setembro. 

Contudo, o prazo pode se estender com o prolongamento do conflito ou das sanções econômicas. Previsão considerada muito provável de se confirmar para a maioria dos especialistas.

Outra medida para desacelerar a crise econômica foi a restrição da venda de moedas estrangeiras pelos bancos russos. 

As instituições financeiras, aliás, venderam suas moedas estrangeiras para tentar manter o rublo, a moeda oficial da Rússia, forte. Foi movido por essa pretensão que Putin decretou que países não amigáveis deverão pagar a exportação do gás somente em rublos.  

As medidas resultaram em cofres mais cheios para estender a capacidade de pagamento das dívidas. Porém, a reserva obtida chegou ao seu esgotamento em maio, como apontando anteriormente. 

Uma crise sem data para acabar

Certamente o cenário é de risco, mas os indícios mostram que um risco calculado. Putin soube mexer as peças no tabuleiro para se resguardar dos piores cenários e ainda conta com boas cartadas na mão.

Entretanto, seus trunfos são finitos. Conforme o tempo passa, mais as opções se esgotam. A questão é quanto tempo o país conseguirá manter essa situação de sustentar uma guerra diante do maior bloqueio econômico da história. 

Autor: Eduardo Almeida

Especialista em reestruturação empresarial, reconhecido como "doutor das empresas", com foco em salvar instituições de saúde em crise no Nordeste através de diagnósticos precisos e intervenções estratégicas eficazes.

Data:

12 out, 2022

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